Criado em 2010, o Instagram que conhecemos hoje ainda não existia. A criação de Kevin Systrom e Mike Krieger surgiu como uma aplicação simples, voltada para o compartilhamento de fotos entre usuários da rede social. Uma proposta que refletia o entusiasmo com uma novidade maior e recente: os smartphones, dispositivos que prometiam transformar a forma como nos conectávamos e interagíamos no cotidiano.
Naquele momento, o Instagram era apenas uma extensão digital de práticas sociais já existentes — um espaço para compartilhar momentos, experiências e pequenos fragmentos da vida cotidiana. Seu sucesso estava na combinação de simplicidade, filtros de imagem e a possibilidade de explorar o visual em um formato mais atrativo do que outras redes sociais da época. Parecia ser apenas mais um produto da era digital emergente, limitado à esfera pessoal e alheio a questões maiores.
Foi em 2012, quando adquirido pelo Facebook (hoje Meta), que o Instagram começou a se tornar uma peça central no dia a dia de centenas de milhões de pessoas ao redor do mundo. O objetivo inicial de apenas compartilhar fotos logo ficou em segundo plano, substituído por uma plataforma que combina interação social, consumo e entretenimento com um sofisticado sistema de coleta de dados e publicidade direcionada.
O que antes era uma rede social voltada para a conexão entre pessoas, se transformou em uma infraestrutura digital essencial, moldando comportamentos, influenciando tendências culturais e até mesmo redefinindo as formas de consumir e produzir conteúdo. O Instagram passou a ser muito mais do que um espaço de socialização; tornou-se uma ferramenta estratégica de poder, capaz de influenciar mercados, eleições e narrativas globais.
No entanto, o ponto mais surpreendente dessa transformação não está em sua evolução tecnológica ou na expansão de suas funcionalidades, mas no fato de que, em 2025, o Instagram entrou nos holofotes internacionais não por inovação ou novas aplicações, mas sim como peça central nas páginas geopolíticas e de Economia Política. O que era visto como um espaço de expressão individual agora se apresenta como um instrumento de disputa entre grandes potências, evidenciando a crescente interseção entre redes sociais e política global.
E por que o Instagram ganhou esses holofotes político e geopolítico?
A resposta começa a se revelar com as declarações recentes de Mark Zuckerberg: “é hora de voltar às raízes da liberdade de expressão no Facebook e Instagram”, afirmou ele em discurso publicado no dia 07 de janeiro de 2025. Alguns pontos são bastante interessantes e importantes para compreendermos os tais holofotes geopolíticos e da Economia Política.
Zuckerberg inicia apontando que “governos e mídias tradicionais têm pressionado cada vez mais por censura” ao respaldarem debates relacionados aos possíveis danos e ofensas veiculados em conteúdos online. Uma fala que parece ser mais de um ministro de estado do que de um empresário. Mas logo abaixo veremos que essa impressão não é meramente retórica, por assim dizer.
E, como num desvelar dos porquês, Zuckerberg aponta que:
- Passaria a seguir a política do X (antigo Twitter), focada em “notas da comunidade”;
- Descreve o período pós governo Trump como uma época de “Árbitros da Verdade”, criando desconfiança generalizada;
- Anuncia o fim de restrições de tópicos como imigração e gênero, que estão, segundo o CEO, “fora de contato com o discurso dominante”, apontando a ideia de que uma minoria foi muito longe construindo mecanismos para calar essa maioria;
- Bem como o fim dos filtros relacionados a conteúdo cívico, ao que chamou de “bringing back Civic Content”, argumentando que “parece que estamos em uma nova era” em que as pessoas desejam ver esses conteúdos políticos.
Em especial, esse último ponto nos dá a pista das alianças que se formam no interior da política americana, quais são suas principais preocupações a serem superadas tanto domesticamente quanto globalmente.
Zuckerberg anuncia de uma só vez essas duas vertentes: no âmbito interno, a mudança da equipe de moderação da Califórnia para o Texas, que caracterizaria, segundo suas palavras, o retorno da confiança, pois a operação se dará em um lugar onde as pessoas estão menos preocupadas com tendências políticas; em nível global, indica uma aproximação com a agenda estratégica global dos Estados Unidos governada por Trump, a atuação da Meta globalmente em aliança com o estado americano para “repelir os governos em todo o mundo que estão indo atrás de empresas americanas”.
E por que isso haveria de acontecer? Por uma questão nacionalista? Pela necessidade de o Estado defender a inciativa privada?
O primeiro ponto a ser notado na resposta dessas perguntas é o aspecto cultural reforçado na própria resposta de Zuckerberg, uma versão reconfigurada do Destino Manifesto com a crença de que os Estados Unidos são os detentores do conceito absoluto de liberdade, pois teriam uma “proteção constitucional mais forte para a liberdade de expressão no mundo”.
O segundo é a da atuação geopolítica de maneira declarada: Europa (leia-se Alemanha e Grã-Bretanha), América Latina (Brasil) e, claro, a China, que por si só merece um capítulo nessa discussão.
Poderíamos pensar o papel do Instagram como aqueles aviões na Primeira e Segunda Guerra que passavam lançando sobre cidades e exércitos cartazes e comunicados buscando influenciar a população e a soldados a desertarem. Mas não poderíamos estar mais enganados. O papel que hoje as redes sociais assumiram nas disputas globais de poder e riqueza foi alçado a um ponto estratégico similar ao da moeda nesse sistema global (ponto que trataremos no futuro). De maneira similar, as redes sociais foram incorporadas no longo jogo das guerras e da acumulação.
O que nos faz pensar: como é possível as redes sociais se tornarem protagonistas na política global? Como é possível as redes sociais terem se tornado um instrumento de “guerra por outros meios”?
Talvez o ponto de vista de resposta a essas perguntas seja o melhor que essas linhas tenham a oferecer, pois o ângulo de análise do sistema político e econômico global parte de outros pontos de vista sobre poder, estado, moeda, guerra e a própria organização política dos territórios globais, bem como outras dimensões de disputas.
Aqui lanço mão de dois mecanismos importantes, o primeiro sendo a dialética como forma de análise, mais especificamente o seu mecanismo de construção violenta da realidade e; o segundo, a perspectiva de compreensão da guerra como um fenômeno multidimensional.
A forma de análise dialética nos mostra como a realidade é criada a partir de conflitos e contradições. Esses choques entre ideias, valores ou interesses não apenas moldam o sistema em que vivemos, mas também fazem ele funcionar e evoluir. Inspirada na filosofia de Hegel, essa ideia não se refere apenas à violência física, mas também a formas simbólicas, econômicas e políticas de confronto.
Na prática, isso significa que, quando forças opostas tentam se resolver, acabam criando novos problemas ou formas de desigualdade. Mesmo parecendo que um conflito foi resolvido, ele gera novas formas de dominação e exploração. Essa dinâmica, por mais complicada que pareça, é o que mantém o sistema funcionando e mudando ao longo do tempo. Um exemplo claro de como a violência dialética se manifesta no contexto do Instagram está na sua transformação ao longo dos anos. De uma simples plataforma de compartilhamento de fotos, o Instagram tornou-se uma ferramenta global conectada diretamente à política nacional dos Estados Unidos e, consequentemente, à sua política externa. Essa mudança ressignificou o papel das redes sociais, que passaram de espaços de interação pessoal para instrumentos estratégicos de influência política e econômica.
Com seu alcance global, o Instagram agora serve como uma extensão da política externa americana, levando turbulência políticas a outros países. Seja promovendo narrativas específicas, moldando o debate público ou criando novas formas de controle informacional, a rede social se tornou um ator central na dinâmica de poder global. Essa ressignificação reflete a lógica da violência dialética: o que parecia ser apenas um espaço de liberdade individual foi absorvido pelas tensões e contradições do sistema, transformando-se em um motor de dominação e disputa.
Se olharmos para o mundo, fica claro como essa lógica aparece. As grandes potências cresceram e se fortaleceram lidando com esses conflitos e, ao mesmo tempo, criaram relações desiguais com outras regiões e populações. Esse processo não é algo fora do sistema; ele está no coração de como o mundo funciona. É como se o sistema global fosse construído a partir dessas tensões, que conectam pessoas e processos de um jeito que nunca para de se transformar.
A perspectiva da guerra multidimensional amplia nossa visão sobre o que significa um conflito. Em vez de se limitar à guerra tradicional — batalhas e destruição visível —, ela nos mostra que a guerra pode acontecer em diversos níveis, envolvendo disputas que afetam diretamente a vida social, econômica e política. Nesse contexto, a guerra não é apenas um confronto armado, mas um processo que sustenta e fortalece grandes potências, enquanto define como elas se relacionam com regiões mais frágeis e populações marginalizadas.
Essa perspectiva nos ajuda a entender que a guerra é muito mais do que destruição. Ela também é uma ferramenta de controle e transformação, usada para acumular poder e moldar estruturas globais em diferentes escalas e períodos históricos. Ao longo do tempo, as grandes potências não apenas usaram exércitos, mas também estratégias menos visíveis, como a manipulação de narrativas, o domínio de mercados e o controle de informações.
No mundo de hoje, conflitos assumem formas ainda mais complexas. Ferramentas informacionais, como redes sociais, são usadas para influenciar opiniões e moldar debates, enquanto estratégias econômicas e culturais criam novas formas de poder. Quando reconhecemos a guerra como algo que vai além do campo de batalha, conseguimos ver como ela constrói sistemas inteiros de poder que afetam tanto as relações entre países quanto o dia a dia das pessoas. Em outras palavras, a guerra multidimensional não é só destrutiva — ela também é uma força que organiza e sustenta o mundo em que vivemos.
Nesse contexto, as redes sociais como o Instagram tornam-se equivalentes modernos às infraestruturas estratégicas da era industrial, como ferrovias ou moedas. Assim como essas estruturas foram fundamentais para as disputas de poder no passado, as redes sociais hoje desempenham um papel central no sistema global. Elas não são neutras; são moldadas pelas dinâmicas de violência dialética e guerra multidimensional e, ao mesmo tempo, moldam as relações de poder que organizam o mundo. Ao compreender esse papel, percebemos que a disputa global não é apenas uma questão de embates entre grandes potências. Trata-se de um conflito que permeia todas as camadas da sociedade, desde a política internacional até o cotidiano de cada indivíduo conectado.
Assim sendo, podemos prever um acirramento das turbulências políticas nos próximos anos. No momento em que este texto é escrito, Donald Trump ainda não reassumiu a presidência dos Estados Unidos, mas já observamos um alinhamento estratégico entre potências privadas americanas, como a Meta e o X, e a visão política de seu próximo governo. Internamente, esse alinhamento reflete uma disputa cultural que promove a ideia de que é necessário “mais energia masculina” – como argumentou Mark Zuckerberg em recente participação em um podcast.
Globalmente, ele se manifesta em episódios como a entrevista de Elon Musk com representantes do partido de extrema direita alemão, Alternativa para a Alemanha (Alternative für Deutschland, AfD), na qual sua principal líder, Alice Weidel, repetiu a informação falsa de que Hitler era de esquerda. Essa conexão entre forças privadas e o Estado não é nova, mas o que a torna singular hoje é sua visibilidade direta: podemos observá-la na palma das nossas mãos, através das mesmas redes que moldam nossas percepções e alimentam os conflitos que definem o presente.
Se por um lado podemos recear pelos próximos capítulos, por outro temos a chance de compreender ainda mais essas estruturas de poder que tiveram local de nascimento, diversos períodos de reinvenção e expansão, bem como de colonização do globo. E tudo isso pode ser feito do seu smartphone, pelo seu Instagram, se você não se perder no caminho.
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Paulo Lira
Head de Conteúdo da Galícia Educação e Professor Universitário. Doutor e Mestre em Economia Política Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Professor Visitante na Columbia University (2017), em Nova York; Economista pela PUC-SP.